“A arte é a reinvenção da realidade”
O poeta Ferreira Gullar já tinha alertado que a realidade não basta, a lógica da realidade é, totalmente ilógica. não nos possibilita modificar certas situações: a chegada ao ponto de ônibus 2 segundos após ele partir, a conversa descompromissada reveladora de segredos com um desconhecido durante um passeio pelo mercado e a morte: a mais nonsense parte da vida. Hoje vivemos, dormimos até tarde, aguentamos os vizinhos, fofocamos nas janelas. Amanhã já não existiremos, já dormiremos eternamente e teremos saudades até de nossos vizinhos que não mais estarão por aqui. A arte é uma maneira de a gente fazer perpetuar o que já não terá continuidade: a presença. E o mais terrível, às vezes, é o ensaio que a arte pode ser da morte. Ontem, dia 15 de setembro de 2016, que era hoje. Durante nossos afazeres recebemos a notícia que o "Santo" tinha sumido no Rio São Francisco. Domingos Montagner com Camila Pitanga foi nadar após o almoço. O que era para ser apenas mais uma atividade cotidiana banal se tornou uma tragédia. E uma tragédia ensaiada durante a novela Velho Chico, há uns quinze dias o personagem Santo (Domingos Montagner) sofreu um atentado e ficou desaparecido por dias sob as águas do Chico. Até que os índios acharam o corpo de Santo dos Anjos e realizaram o ritual para ressuscitá-lo: todas as religiões realizam rituais para perpetuar a vida sobre a morte. E durante o sumiço dele nas águas a arte e a vida nos confundiam de forma absurda, tão absurda que nos negamos a acreditar na repetição da arte na vida. Na repetição da tragédia na realidade, sem chance de ter o final que teve na novela. As mãos de Camila Pitanga não conseguiram impedir a violência da tragédia, as imagens belas de Luiz Fernando Carvalho não conseguiram transformar em consolo o horror, o texto profundo e reflexivo de Benedito Ruy Barbosa não conseguiu tornar o incompreensível em compreensível. Apenas a tragédia, o silêncio da realidade sem beleza. O que nos consola é a arte, as atuações encantadoras de Domingos.
Como diria Guimarães Rosa:
“As pessoas não morrem. Ficam encantadas”.
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